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A linha mágica -lenda francesa


Eu adoro histórias...

E essa lenda me fez refletir sobre o tempo...

Muitas vezes queremos que o tempo passe depressa, outras vezes queremos que o tempo congele naquele instante, não é mesmo?


Essa história, a linha mágica faz parte de uma Antologia de William J. Bennett.


Era uma vez uma viúva que tinha um filho chamado Pedro. O menino era forte e saudável, mas não gostava de ir à escola e passava todo o tempo a sonhando acordado.


— Pedro, com o que você está sonhando a uma hora destas? — perguntava-lhe a professora.


— Estava a pensando no que serei quando crescer — respondia ele.


— Seja paciente. Tens muito tempo para pensar nisso. Depois de crescido, nem tudo é divertimento, sabe? — dizia ela.


Mas Pedro tinha dificuldade de apreciar qualquer coisa que estivesse a fazendo no momento, e ansiava sempre pelo que vinha a seguir. No Inverno, ansiava pelo retorno do Verão; no Verão, sonhava com passeios de esqui e trenó, e com as fogueiras acesas durante o inverno. Na escola, ansiava pelo fim das aulas, para poder voltar para casa; e, nas noites de domingo, suspirava dizendo: “Ah, se as férias chegassem logo!” O que mais o entretinha era brincar com a amiga Lise. Era uma companheira tão boa como qualquer menino, e a ansiedade de Pedro não a afectava nem ofendia. “Quando crescer, vou casar-me com ela”, dizia Pedro consigo mesmo.


Costumava perder-se em caminhadas pela floresta, sonhando com o futuro. Às vezes, deitava-se ao sol sobre o chão macio, com as mãos postas sob a cabeça, e ficava a olhar o céu através das copas altas das árvores. Uma tarde quente, quando estava quase a cair no sono, ouviu alguém chamando por ele. Abriu os olhos e sentou-se. Viu uma mulher idosa de pé à sua frente. Ela trazia na mão uma bola prateada, da qual pendia um fio de seda dourado.


— Olha o que tenho aqui, Pedro — disse ela, oferecendo-lhe o objeto.


— O que é isso? — perguntou, curioso, tocando a fina linha dourada.


— É a linha da sua vida — retrucou a mulher. — Não toques nela e o tempo passará normalmente. Mas, se desejares que o tempo ande mais depressa, basta dar um leve puxão na linha, e uma hora passará como se fosse um segundo. Mas devo avisar-te: uma vez que a linha tenha sido puxada, não poderá ser colocada de volta dentro da bola. Ela desaparecerá como uma nuvem de fumaça. A bola é sua. Mas se aceitar o meu presente, não contes a ninguém; senão, morrerás no mesmo dia. Agora diga, queres ficar com ela?


Pedro tomou-lhe das mãos o presente, satisfeito. Era exatamente o que queria. Examinou-a. Era leve e sólida, feita de uma peça só. Havia apenas um furo de onde saía a linha brilhante. O menino colocou-a no bolso e foi a correr para casa. Quando chegou, depois de se certificar da ausência da mãe, examinou-a outra vez. A linha parecia sair lentamente de dentro da bola, tão devagar que era difícil perceber o movimento a olho nu. Sentiu vontade de lhe dar um rápido puxão, mas não teve coragem. Ainda não.


No dia seguinte, na escola, Pedro imaginava o que fazer com a sua linha mágica. A professora repreendeu-o por não se concentrar nos deveres. “Se ao menos”, pensou ele, “já fossem horas de ir para casa!” Tateou a bola prateada que se encontrava dentro do bolso. Se desse apenas um pequeno puxão, logo o dia chegaria ao fim. Cuidadosamente, pegou no fio e puxou. De repente, a professora mandou que todos arrumassem as suas coisas e fossem embora, organizadamente. Pedro ficou maravilhado. Correu sem parar até chegar a casa.


Como a vida seria fácil agora! Todos os seus problemas haviam terminado. Dali em diante, passou a puxar o fio, só um pouco, todos os dias.


Entretanto, logo se apercebeu que era tolice puxar o fio apenas um pouco todos os dias. Se desse um puxão mais forte, o período escolar estaria concluído de uma vez. Poderia aprender uma profissão e casar-se com Lise. Naquela noite deu, então, um forte puxão na linha, e acordou na manhã seguinte como aprendiz de um carpinteiro da cidade. Pedro adorou a sua nova vida, subindo aos telhados e andaimes, erguendo e colocando, à força de marteladas, enormes vigas que ainda exalavam o perfume da floresta. Mas, às vezes, quando o dia do pagamento demorava a chegar, dava um pequeno puxão na linha e logo a semana terminava, já era a noite de sexta-feira e ele tinha dinheiro no bolso.


Lise também se mudara para a cidade e morava com a tia, que lhe ensinava os afazeres do lar. Pedro começou a ficar impaciente a respeito do dia em que se casariam. Era difícil viver, ao mesmo tempo, tão perto e tão longe dela. Perguntou-lhe, então, quando se poderiam casar.


— No próximo ano — disse ela. — Eu já terei aprendido a ser uma boa esposa.


Pedro tocou com os dedos a bola prateada dentro do bolso.


— Ora, o tempo vai passar bem depressa — disse, com muita certeza.

Naquela noite, não conseguiu dormir. Passou o tempo todo agitado, virando-se de um lado para o outro na cama. Tirou a bola mágica que estava debaixo do travesseiro. Hesitou um instante, mas logo a impaciência o dominou, e ele puxou a linha dourada. Pela manhã, descobriu que aquele ano já havia passado e que Lise concordara afinal com o casamento. Pedro sentiu-se realmente feliz.


Mas, antes que o casamento pudesse realizar-se, recebeu uma carta com aspecto de documento oficial. Abriu-a, trémulo, e leu a notícia de que deveria apresentar-se no quartel do exército na semana seguinte, para servir por dois anos. Mostrou-a, desesperado, a Lise.


— Ora — disse ela — não há nenhum problema, basta-nos esperar. Mas o tempo passará rápido, você vai ver. Há tanto que preparar para nossa vida a dois!


Pedro sorriu com galhardia, mas sabia que dois anos durariam uma eternidade a passar.

Quando já se acostumara à vida no quartel, entretanto, começou a achar que não era tão ruim assim. Gostava de estar com os outros rapazes, e as tarefas não eram tão árduas como a princípio. Lembrou-se da mulher que o aconselhara a usar a linha mágica com sabedoria e evitou usá-la por algum tempo. Mas logotornou a sentir-se inquieto. A vida no exército entediava-o, com as suas tarefas de rotina e a sua rígida disciplina. Começou a puxar a linha para acelerar o decurso da semana, a fim de que chegasse logo o domingo ou o dia da sua folga. E assim se passaram os dois anos, como se fosse um sonho.


Terminado o serviço militar, Pedro decidiu não mais puxar a linha, exceto por uma necessidade absoluta. Afinal, era a melhor época da sua vida, conforme todos lhe diziam. Não queria que acabasse assim tão depressa. Mas deu um ou dois pequenos puxões na linha, só para antecipar um pouco o dia do casamento. Tinha muita vontade de contar a Lise o seu segredo; mas sabia que, se contasse, morreria.


No dia do casamento, todos estavam felizes, inclusive Pedro. Mal podia esperar para lhe mostrar a casa que construíra para ela. Durante a festa, lançou um rápido olhar na direcção da mãe. Percebeu, pela primeira vez, que o cabelo dela estava ficando grisalho. Envelhecera rapidamente. Pedro sentiu uma ponta de culpa por ter puxado a linha com tanta frequência. Dali em diante, seria muito mais parcimonioso no seu uso, e só o puxaria se fosse estritamente necessário.

Alguns meses mais tarde, Lise anunciou que estava à espera de um filho. Pedro ficou entusiasmadíssimo, e mal podia esperar. Quando o bebê nasceu, ele achou que não iria querer mais nada na vida. Mas, sempre que o bebê adoecia ou passava uma noite em claro a chorar, ele puxava um pouco do fio para que o bebê tornasse a ficar saudável e alegre.


Os tempos andavam difíceis. Os negócios iam mal e chegara ao poder um governo que mantinha o povo sob forte opressão e pesados impostos, e não tolerava oposição. Quem quer que fosse tido como agitador era preso sem julgamento, e um simples boato bastava para se condenar um homem.

Pedro sempre fora conhecido por dizer o que pensava, e logo foi preso e jogado na cadeia. Por sorte, trazia a bola mágica consigo e deu um forte puxão na linha. As paredes da prisão dissolveram-se diante dos seus olhos e os inimigos foram arremessados à distância, numa enorme explosão. Era a guerra que se insinuava, mas que logo acabou, como uma tempestade de Verão, deixando o rasto de uma paz exaurida. Pedro viu-se de volta ao lar com a família. Mas era agora um homem de meia-idade.


Durante algum tempo, a vida correu sem percalços, e Pedro sentia-se relativamente satisfeito. Um dia, olhou para a bola mágica e surpreendeu-se ao ver que a linha passara da cor dourada para a prateada. Foi olhar-se ao espelho. O cabelo começava a ficar-lhe grisalho e o seu rosto apresentava rugas onde nem se podia imaginá-‑las. Sentiu um medo súbito e decidiu usar a linha com mais cuidado ainda do que antes. Lise dera-lhe outros filhos e ele parecia feliz como chefe da família que crescia. O seu modo imponente de ser fazia as pessoas pensarem que ele tinha perfil de chefe. Possuía um ar de autoridade, como se tivesse nas mãos o destino de todos. Mantinha a bola mágica bem escondida, resguardada dos olhos curiosos dos filhos, sabendo que, se alguém a descobrisse, seria fatal.


Cada vez tinha mais filhos, de modo que a casa foi ficando cheia de gente. Precisava de a ampliar, mas não dispunha do dinheiro necessário para a obra. Tinha também outras preocupações. A mãe estava a ficar idosa e, com a passagem dos dias, ia parecendo mais cansada. Não adiantava puxar a linha da bola mágica, pois isto só lhe aceleraria a chegada da morte. De repente, ela faleceu, e Pedro, parado diante do túmulo, pensou no modo como a vida passara tão rapidamente, mesmo sem fazer uso da linha mágico.

Uma noite, deitado na cama, sem conseguir dormir, pensando nas suas preocupações, achou que a vida seria bem melhor se todos os filhos já estivessem crescidos e com carreiras encaminhadas. Deu um fortíssimo puxão ao fio, e acordou no dia seguinte vendo que os filhos já não estavam em casa, pois tinham arranjado empregos em diferentes pontos do país, e que ele e a mulher estavam sós.

Seu cabelo estava quase todo branco e doíam-lhe as costas e as pernas quando subia uma escada, ou os braços quando levantava uma viga mais pesada. Lise também envelhecera, e estava quase sempre doente. Ele não aguentava vê-la sofrer, de tal forma que lançava mão da linha mágica cada vez mais frequentemente. Mas, sempre que o problema se resolvia, já outro surgia em seu lugar.

Pensou que talvez a vida corresse melhor se ele se aposentasse. Assim, não teria de continuar a subir aos edifícios em obras, sujeito a lufadas de vento, e poderia cuidar de Lise sempre que ela adoecesse. O problema era a falta de dinheiro suficiente para sobreviver. Pegou na bola mágica, então, e ficou a olhar. Para seu espanto, viu que a linha já não era prateado, mas cinza, e perdera o brilho. Decidiu ir para a floresta dar um passeio e pensar melhor no significado de tudo aquilo.


Já fazia muito tempo que não ia àquela parte da floresta. Os pequenos arbustos haviam crescido, transformando-se em árvores frondosas, e foi difícil encontrar o caminho que costumava percorrer. Acabou por chegar a um banco no meio de uma clareira. Sentou-se para descansar e caiu num sono leve. Foi despertado por uma voz que o chamava pelo nome: — Pedro! Pedro!


Abriu os olhos e viu a mulher que encontrara havia tantos anos e lhe dera a bola prateada com a lionha dourada mágico. Aparentava a mesma idade que tinha no dia em questão, exatamente igual. Ela sorriu-lhe.


— E então, Pedro, a tua vida foi boa? — perguntou.


— Não tenho a certeza — disse ele. — A sua bola mágica é maravilhosa. Nunca na minha vida tive de suportar qualquer sofrimento ou esperar por qualquer coisa. Mas tudo foi tão rápido! Sinto como se não tivesse tido tempo de apreender tudo o que se passou comigo; nem as coisas boas, nem as ruins. E agora falta tão pouco tempo! Já não ouso puxar a linha, pois isso só anteciparia a minha morte. Acho que o seu presente não me trouxe sorte.


— Mas que falta de gratidão! — disse a mulher — Gostarias que as coisas fossem diferentes?


— Talvez se me tivesse dado uma outra bola, em que eu pudesse puxar a linha para fora e para dentro também. Talvez, então, eu pudesse reviver as coisas ruins.


A mulher riu-se.


— Está pedindo muito! Você acha que Deus nos permite viver as nossas vidas mais de uma vez? Mas posso conceder-lhe um último desejo, meu tolo exigente.


— Qual? — perguntou ele.


— Escolhe — disse ela.


Pedro pensou bastante. Ao fim de bastante tempo, disse:


— Gostaria de voltar a viver a minha vida, como se fosse a primeira vez, mas sem a sua bola mágica. Assim, poderei experimentar as coisas ruins da mesma forma que as boas, sem encurtar a sua duração. Pelo menos, a minha vida não passará tão rápido e não perderá o sentido com um devaneio.


— Assim seja — disse a mulher. — Devolve-me a bola.


Ela esticou a mão e Pedro entregou-lhe a bola prateada. Em seguida, ele recostou-se e fechou os olhos, exausto.

Quando acordou, estava na sua cama. A sua jovem mãe debruçava-se sobre ele, tentando acordá-lo carinhosamente.


— Acorda, Pedro, não vás chegar atrasado à escola. Estavas a dormir como uma pedra!


Ele olhou para ela, surpreso e aliviado.


— Tive um sonho horrível, mãe. Sonhei que estava velho e doente e que minha vida passara como num piscar de olhos sem que eu sequer tivesse ficado com algo para contar. Nem ao menos algumas lembranças.


A mãe riu-se e fez que não com a cabeça.


— Isso nunca vai acontecer — disse ela. — As lembranças são algo que todos temos, mesmo quando somos velhos. Agora, anda, vá se vestir. A Lise está esperando por você, não deixe que ela se atrase por sua causa.


A caminho da escola, em companhia da amiga, observou que estavam em pleno Verão e que fazia uma linda manhã, uma daquelas em que era óptimo estar-se vivo. Em poucos minutos, estariam a encontrar os amigos e colegas, e mesmo a perspectiva de enfrentar algumas aulas não parecia tão desagradável assim. Na verdade, ele mal podia esperar.


William J. Bennett


O Livro das Virtudes


Editora Nova Fronteira, 1995




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